sexta-feira, 16 de maio de 2008

Vida X Morte

Assim que cheguei bem cedinho por volta das 6:40 da manhã foi o primeiro a me dar bom dia, sempre alegre e cantarolando algumas músicas antigas mas hoje havia alguma coisa diferente, ele não estava cantando. Passei por ele e parei por alguns instantes numa conversa bem rapidinha.

- Não está cantando hoje, o que houve?
- Nada não meu repertório ta fraco.
- risos... que nada!!! Acho que você ta triste hein?!
- To não. Impressão da senhora.
- Então ta, vamos lá no DDS?
- Vamos sim!!!

Ao chegar no refeitório um monte de sacos pretos chamou minha atenção e eu fiquei parada em frente aquele monte de sacos por um bom tempo até que ele veio ao meu lado e interrompeu meus pensamentos.

- Ta pensando na vida aí ?
- Pior que não, to pensando na morte.
- Credo!!! Pensa não a senhora é muito nova pra pensar nisso.
- Pois é, esses sacos pretos são terríveis. Tem cara de morte!!!
- ahhhhh isso é verdade também não gosto deles mas eles são para colocar no piso.
- É deixa isso pra lá vamos trabalhar.

O dia estava correndo muito bem até que uma chamada no rádio mudou tudo.

Encarregado - Bruna na escuta.
B. - Pode falar
Encarregado - Bruna vem correndo aqui no terceiro aconteceu um acidente.
B. - O que aconteceu?
Encarregado - Não sei o João ta passando mal.
B. - Mas o que ele tem?
Encarregado - Não sei, vem correndo, você tem que SALVAR ele.

Senti naquele momento que a coisa era séria. Subi correndo na esperança de chegar lá encontrá-lo sorrindo fazendo uma brincadeira.
Ao chegar o cenário não era o que eu esperava. Todos em volta dele, rostos apreensivos, nervoso, expectativa. Ao chegar perto todos aqueles rostos se voltaram pra mim, em cada um existia uma esperança depositada. Todos estavam atentos aos meus movimentos e eles tinham plena confiança de que eu resolveria tudo afinal é a minha função não deixar que nada de ruim aconteça a eles.
Me ajoelhei ao lado dele e peguei sua mão fria e suada, passei a mão pela sua testa tão fria quanto. Olhei em volta e perguntei o que tinha acontecido. Todos explicavam ao mesmo tempo, um tanto rápido, nervosos. Assim entendi: Tontura, sentiu dor no peito, pediu ajuda pra descer do andaime, começou a suar muito e disse que estava se sentindo mal, levou a mão no peito e desmaiou. Nisso o Engenheiro da obra e o Técnico da subempreiteira já estavam me olhando com o mesmo rosto apreensivo e esperançoso dos demais. Um funcionário um pouco mais emotivo chorava e dizia, você vai salvar ele não vai? não deixa ele morrer não, ele tem duas filhas.
Olhei para o outro Técnico e perguntei sabe primeiros socorros? Com um olhar amedrontado o rapaz disse sei mas me orienta no que fazer.
O técnico se ajoelhou do outro lado e perguntou bem baixinho:
- ele ta respirando?
B. - Não. Ta em parada.
Técnico - e agora?
B. - (Gritando) - Já chamaram o socorro?
Vozes - já sim estão vindo.
B. sabe fazer insuflação?
Técnico - Sei
B. - então pode começar.

Começamos o procedimento de massagem e respiração, na esperança de que ele voltasse, mas em cada pausa vinha o desespero ele não respondia a nada que a gente fazia. No fundo eu sabia que não tinha jeito, mas eu não podia parar, sentia como se o seu coração fosse minhas mãos, em cada massagem um pensamento.

* Por favor não faz isso comigo... Não morre, não agora, não aqui, não nas minhas mãos.

Os olhares cada vez mais esperançosos seguiam todos os meus movimentos, em meio a tudo isso um olhar bem parecido com o meu... meu olhar se cruzou com o do Técnico e em silêncio tivemos a conversa mais dolorida que já tive que foi mais ou menos assim.

- Não vamos conseguir.
- Eu sei, mas não podemos parar.
- Não está nas nossas mãos.
- Está sim não para... uma lágrima já rolava.
- Eu to com medo.

Olhei pro céu como quem busca auxílio mas não obtive resposta.

* Meu Deus não faz isso, deixa ele aqui!!!

Quando desci o olhar novamente, cruzei com o olhar do engenheiro que com um rosto diferente perguntou:

- Ta tudo bem?
- Não sei. Cadê o socorro???
- Não sei ta vindo. Mas você vai conseguir né?!

Preferi não responder.
A cada pausa entre a massagem e respiração eu diminuia, me sentia pequena, inútil, tola e fraca.
Os bombeiros chegaram e eu nem me dei conta, assumiram minha posição e a posição do técnico e ali continuaram o que estávamos fazendo porém logo após pararam e disseram não tem mais jeito. Ele não aguentou.

B. - Como não aguentou??? continua...
Bombeiros - Não adianta ele já faleceu.
B. - mentira... continua!!!
Nisso as lágrimas já tomavam conta de tudo e o controle já havia se perdido. Fui interrompida por um abraço apertado do engenheiro prosseguido da seguinte frase: Você fez o que pôde!!!
Fui olhando em minha volta e só conseguia enxergar rostos iguais os meus, molhados, tomados pela tristeza, alguns deles um tanto sujos o que tornava mais triste todo aquele cenário.
Não conseguia entender, eu fiz o procedimento correto, mas eu não consegui!!!
Todos queriam me abraçar como se quisessem me isentar de uma provável culpa que lutava em continuar comigo.
Sentei numa viga e ali fiquei por um tempo que não consigo contabilizar, chorava feito uma criança que se perde da mãe num local desconhecido com pessoas estranhas.
Quando voltei dos meus pensamentos me deparei com o mesmo saco preto que me chamara a atenção pela manhã, o mesmo que o próprio me disse não gostar.
A morte debochava de mim.
E me fez perceber que a vida não é como a gente quer. Deus decide a hora de sorrir, a hora de chorar, hora de nascer, hora de vitórias, hora de derrotas, hora de tristeza, hora de perder... e hoje eu perdi!!!

Um comentário:

Anônimo disse...

Amica, a morte não existe!
Infelizmente o que aconteceu hoje com você não foi uma coisa agradável, ninguém quer passar por isso, ou sentir o que você sentiu. Não se culpe, você não teve culpa! Pelo contrário, prestou seu auxílio ao irmão, mas a passagem dele por aqui terminou e pode ter certeza que ele está muito grato pela sua dedicação e preocupação para com ele naquele momento. Não pergunte a Deus o pq, pq Deus sempre sabe o que faz! Ore por ele, pela família dele, pq é o que ele mais precisa nesse momento.

Vocês não estavam sozinhos ali naquele momento, tenha certeza!
Fique calma e digo mais uma vez, ore muito por ele...
Fique calma e não se culpa, tá?

Se eu puder ajudar em alguma coisa, você sabe que pode contar cmg. Amanhã estarei em casa o dia todo, se quiser dar uma passadinha aqui, será muito bem vinda.

Beijos